Costa Rica

Soltando os bichos


Voltamos para San José, o nosso ponto de partida, na maior parte do tempo pela Interamericana, e fizemos check-in no Best Western Irazú. Hotel americano padrão, mas que atendia o que precisávamos, que era estar mais próximos do centro da capital para a nossa saída do dia seguinte.
Essa nossa escapada não estava na programação inicial, mas eu fiquei fascinada com a descrição do lugar e dei um jeito de conhecer, nem que fosse em um bate-e-volta: Tortuguero. O nome já prometia coisa boa para alguém que adora tartarugas, mas esse parque nacional é bem mais que um ponto especial no litoral caribenho para a desova das tartarugas marinhas: ele é também uma região alagada formada por vários canais e super preservada.


(mapa de www.1costaricalink.com)
Um dos inconvenientes de se fazer turismo em Tortuguero é que não há muito espaço para planejar a viagem de maneira independente. Como é um lugar de difícil acesso, normalmente se compra um pacote de um dos lodges, onde tudo é bem esquematizadinho: transporte, hospedagem, passeios etc. O outro inconveniente é…o valor dos pacotes. É aquele precinho especial para bolsos europeus e americanos, sabe? O nosso anfitrião já tinha avisado como seria a viagem, se queríamos mesmo…mas quando eu coloco uma coisa na cabeça, vou te contar 🙄 O agente em San José reservou então um pacote de 2 dias/1 noite no Mawamba Lodge.

O ônibus nos pegou no hotel às 6 da manhã, passou por mais alguns hotéis e seguimos em direção ao nordeste do país. Por volta das 8h paramos no restaurante do Lodge para o café da manhã. Apesar da cara de ‘esquema excursão’, a comida era muito boa e variada, numa bonita área verde com um rio e trilhas. E colocamos o pé na estrada de novo…
Um pouco depois entramos numa área de plantação extensiva de bananas e seguimos nela pelo resto do caminho. Como tinha comentado no post sobre Puerto Viejo, as bananas representam uma das maiores atividades econômicas da Costa Rica desde o final do séc. XIX e a costa caribenha é dominada pelas multinacionais americanas exportadoras, como a Chiquita, Del Monte e Dole. Essa cultura sempre foi controversa: nos primeiros tempos, pela exploração dos trabalhadores e agora, pelo abuso de inseticidas e uso de sacos plásticos para amadurecer as frutas – os dois acabam sendo levados até o mar, onde o primeiro mata os corais e o segundo é comido pelas tartarugas, confundido com águas vivas, e estas morrem sufocadas.
À parte as questões ambientais, é bonito andar pelos bananais a perder de vista, só interrompidos pelas esteiras que levam as bananas penduradas, como que passeando sozinhas pela plantação. Nesse ritmo, chegamos a Matina, a cidade onde fica o ponto de embarque para os barcos que nos levariam pelos canais até Tortuguero.

Depois de esperar pelo nosso barco, ainda teríamos duas horas navegando até o hotel. O caminho é longo, mas o visual à beira-rio era lindo e ajudava a passar o tempo tranqüilamente. Passamos por vilas de pescadores…

…e muitas aves, como uma família de colhereiros.


O começo do trajeto tem uma paisagem mais aberta…

…passando por uma área bem próxima ao mar…

…e depois mudava para uma mata mais fechada ao se aproximar do nosso destino.

Chegamos ao lodge na hora do almoço e deixamos nossas malas no quarto: um bangalô espartano, mas enorme e novinho, além de um banheiro clean e com uma bela banheira. Não era dos mais próximos da área social, mas achei que demos sorte…dei uma espiada nos bangalôs mais próximos (e mais antigos) e os achei abafados. Fora que nós tínhamos esse jardim lindo e muito bem cuidado em frente…




No restaurante é que sentimos o drama de ter tudo organizado: até turnos de refeição tínhamos que obedecer! Pertencíamos a um grupo que faria tudo juntinho: almoço, passeio, jantar, passeio… (suspiros)
A comida não era excepcional, mas não havia nada que desabonasse também. E a companhia do nosso grupo se revelou muito agradável, tanto que resolvemos pegar a carona no barco para ir até a vilinha de Tortuguero, mas não sem antes reservar os nossos lugares para ver as tartarugas à noite, com os monitores (pago à parte, um absurdo considerando que o pacote não é barato).
A comunidade de Tortuguero está situada em uma ilha muito longa e fina que faz parte do parque nacional. A vila e os lodges estão distribuídos por essa faixa de areia espremida entre o mar e os canais, sendo que o Mawamba, por exemplo, tem saída tanto pela praia quanto pelo canal.

A vilinha é mais que rústica: construções, em geral de madeira, organizadas em ruas e praças de areia e grama: alguns restaurantes, lojinhas, pousadas bem alternativas. É um ponto muito remoto do país, onde só se chega de barco ou avião, o que pode trazer alguns problemas para a população local…

Acabamos indo diretamente para o CCC, Caribbean Conservation Corporation, uma ONG americana de proteção às tartarugas marinhas e que tem sua base costa-riquenha em Tortuguero. São eles que conduzem as pesquisas na região, monitoram as desovas e nascimentos e fazem os controles das pequenas que aparecem nas areias do Caribe norte.

Eles foram a primeira organização formada no mundo com o intuito de preservar as tartarugas marinhas de extinção e intercederam junto ao governo da Costa Rica – país onde começaram as ações do CCC – para a formação do Parque Nacional Tortuguero, através da figura do biólogo Archie Carr, pioneiro no estudo destes lindos animais. Eles têm informações sobre as espécies que nadam pela região e sobre os estudos em Tortuguero, mostrando videos com a atuação do CCC. Nada muito diferente do que se vê nas bases do Tamar no Brasil, mas é interessante ver o trabalho de quem protege tartarugas há quase 50 anos.
Voltamos a pé para o hotel, pela praia, o que nos faz deduzir que as tartarugas têm definitivamente um gosto diferente dos nossos: Tortuguero é uma praia desinteressante, areia escura cheia de algas e plantas, ondas fortes demais para banho. A beleza da região está mesmo na parte de dentro, nos canais…

Entrando no lodge pela praia, passamos por um jardim de rãs, sendo a maioria da espécie rana  de ojos rojos, praticamente um símbolo da Costa Rica. São lindas e ágeis, verde na maior parte do corpo, olhos vermelhos (claro…), patas laranjas e laterais azul e amarelo bem vivos. O tratador das bonitinhas, vendo meu interesse, perguntou se eu gostaria de pegar uma delas. Claro que sim…fui lavar muito bem minhas mãos (para que a pele fina dela não aborvesse nada de protetor solar) e voilà 😀
Até que ela ficou quietinha por um tempo…e depois saltou para a folha mais próxima. A textura dos batráquios (eu adoro essa palavra 😆 ) é sempre surpreendente ao toque. E o bichinho é lindo demais, não dá para parar de olhar…


Aproveitamos o resto da tarde na piscina e jantamos cedo porque as tartarugas nos esperavam. Nos juntamos ao grupo perto da praia, já com o monitor a postos. Uma verde imensa já tinha chegado e estava começando o trabalho. Lá fomos nós…
Quanta diferença da tranqüilidade que tivemos no Pacífico…Aqui o processo era o seguinte: espera-se o grupo anterior admirar a tortuga e sair (umas 6 a 8 pessoas cada grupo); aí é a vez do seu grupo, fica-se uns 10 minutos; toca a dar espaço para quem vem atrás…Não dá para ser feliz assim, né? 🙁 E no final, os que quiseram esperar um pouco mais, como nós, ainda puderam ver a tartaruga sair em direção ao mar. Mas, ao invés de observar de longe, a maioria das pessoas desobedece a orientação dos monitores e forma um ‘corredor polonês’ para a pobrezinha  😡
Talvez o objetivo seja até alcançado, que é o de sensibilizar as pessoas para a questão ambiental e os riscos de extinção para a tartaruga marinha, mas acho que mais controle e menos gente seria essencial para preservar um pouco o sossego da bichinha, que já tem um trabalho monstruoso o suficiente. A que observamos parecia tão incomodada, que nem conseguiu descansar direito o tempo que precisaria e já sentiu vontade de ir embora.
Melhor curtir a noite estrelada e dormir…para estar de pé às 4 e meia da manhã 🙄 Mas é por um bom motivo: o passeio pelos canais começa de madrugada pois nessa hora a fauna está mais ativa que no meio do dia. Depois de umas bolachinhas com chá (tomaríamos café da manhã como se deve na volta), saímos com o nosso grupo, um guia e o condutor do barquinho para umas horas de silêncio no meio do mato.

Que beleza de lugar: o sol nascendo e brilhando suavemente na água, a mata fechada ao redor, o ventinho no rosto, hmm…Depois de um tempo pelo canal principal, o barco vai se embrenhando pelos secundários e aí vamos vendo as figurinhas: iguanas (esquerda) e basiliscos jesus-cristo (direita), que tem esse nome por poder correr curtas distâncias sobre a água…

…bugios e famílias de pequenos micos, um jacarezinho…

…aves diversas e um casal de magníficos tucanos arco-íris.
Um bicho que eu queria muito ver, mas infelizmente é raro de ser encontrado por ser ainda alvo de caça por sua carne, é o manatí ou peixe-boi. Quem me conhece sabe que tenho um fraco por essas coisas fofas, como bem observou a Lucia Malla, num lindo post 😀
Voltamos para o hotel: hora de tomar café e ir embora para San José…Mesmo não concordando com a organização para ver a desova, esse é ainda um espetáculo maravilhoso da natureza e o parque, como um todo, tem uma beleza única. Adoraria ficar mais um dia para outros passeios pelos canais e descansar nas redes, só observando a mata…

San José seria o nosso destino para mais uma noite antes de voltar para o Brasil no dia seguinte…pena. Vontade de continuar explorando outros tantos pontos mais no país: ver praias lindíssimas no Parque Nacional Manuel Antonio, na área central do Pacífico, fazer umas trilhas no Parque Nacional Corcovado, no Pacífico Sul, navegar pelas regiões alagadas de Puerto Viejo de Sarapiquí, no norte do país…No entanto, eu também tinha um bom motivo para ter saudades de casa: meu primeiro sobrinho e afilhado querido, que tinha nascido bem no meio da viagem 😀
Mas espero por uma próxima vez na Costa Rica…

10 Comments

  1. Lucia Malla

    A cada post dessa série, a Costa Rica vai subindo no ranking da minha lista de “quero conhecer”. Daqui a pouco, chega a primeiro. Que demais esse lugar, hem? Muito obrigada por compartilhar aqui tão deliciosa experiência. 🙂
    Beijos.

  2. Emília

    Lucia, adorei ter ido para Tortuguero, mesmo com tudo amarradinho e vapt-vupt, até porque é supreendente a estrutura para turismo num lugar tão ermo. É muito cheio de vida, acho que você iria gostar 😀

  3. Majô

    Que lugar lindo e natureza pujante !!
    Aquela rãzinha é linda, esguia, eu acho que não teria como segurá-la, pois me dá aflição. O contraste de cores dela são o que há de atual na moda dos humanos 😉
    O post tá lindo como sempre 🙂

  4. Majô

    Mais uma coisa, por que usam plástico para amadurecer banana? Aqui embrulham em jornal. E outra, banana não precisa de pesticida não.

  5. Ernesto

    Pena que está acabando! Mas, desejo a voce muitas viagens legais para continuar postando!!!

  6. Emília

    Majô, o lugar é tudo de bom mesmo, lindíssimo.
    Agora, com relação a bananas, não saberia te dizer, foram informações do pessoal de lá. Os sacos são pendurados nas próprias bananeiras enquanto a penca se desenvolve, de longe dá para ver onde estão as pencas, acho que por isso não dá para utilizar jornal. São frutas incrivelmente bonitas, grandes e impecáveis, até parecem de cera. Mas os próprios costa-riquenhos não gostam delas, preferem as cultivadas no método tradicional, que são mais feinhas, mas mais gostosas. Devem ser mesmo ,não é?
    Pois é, Ernesto, acabou… mas fiquei 17 dias lá e deu para fazer bastante coisa. E mais viagens para todos nós! 😀

  7. Majô

    Emília, pois é se há preocupação com a degradação do meio ambiente e preservação do planeta, deveriam abolir o plástico que não é necessári já que degrada o meio ambiente e mata as tartarugas. Tivemos bananeiras de todos os tipos no sítio em Friburgo. O cacho de banana é tirado ‘de vez’ e embrulhado em jornal para acabar de amadurecer.

  8. eduluz

    Emília, o nome do hotel foi muito bem sacado : Mawamba Lodge. Tem nome daqueles hotelões de selva da África do Sul e pelo visto, vocês fizeram pequenos safaris .
    E a rã é muito bonita e fotogênica ! Elas são comestíveis ?

  9. Carol Wieser | Travel Forever

    Nossa Emília, devorei seu texto e apesar de não ter visto nenhuma fotinha das tortugas :(, tive a sensação de ter viajado junto contigo e presenciado tudo!!
    Muito legal mesmo!!

  10. Emília

    No meu sítio fazemos o mesmo com o jornal, Majô. Imagino que o plástico seja para preservar o aspecto das frutas para a exportação, infelizmente…
    Acho que elas não são comestíveis, não, Eduardo! Eu pelo menos não vi rãs sendo oferecidas em nenhum cardápio…Acho que essas são só ornamentais :mrgreen: Eu acho que a rã para consumo é verde clarinha e até parecida no corpo com esta. Mas já vi faz tanto tempo, acho que não saberia diferenciar 🙄
    Carol, é uma pena, mas não dá para fotografar as tartarugas, os flashes incomodariam muito as pequenas. Tanto que usam uma lanterna com infravermelho, que não atrapalha muito (espero). Fica na memória mesmo 😀

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